29.4.07
No sol, em prata e no grão.
Junto ao salto vai o frio na barriga.
Desce ao fundo, sem peso.
De volta à tona,
o sol em meia-luz lhe cora o rosto.
No corpo, uma sensação de não ter onde, nem quando.
Volta e meia pequenos medos;
Avistar barbatana, canto de sereia, mão puxando pro fundo.
Na imersão vai o cardume,
ao encontro das redes.
E as ondinhas quebram,
desfazendo lentamente pequenos castelos.
28.4.07
Rafael Elfe
Eu fui aquele sujeito,
sem jeito
que um dia deixou
de encantos cair
e por ti
num conto
permaneceu fadado.
Aquele que cruzou a rua, num mar de gente
e esbarrou teu ombro, e nem sabia o que diria
e você a pensar na família
dentro de outros problemas
Fui aquele sujeito perdido
numa noite apática
num sinal vermelho
a lhe pedir informação
e bêbada, ao som da época
trouxe-me a metafísica do teu frio olhar de soslaio
E eu, o olhar vazio que te segui à fio
nas Áfricas nebulosas de tua mente
e reverdeceu o pasto colorindo as vias
enxergando a primavera febril de teus lábios
as alfazemas
que brilharam no ardor
que borbulhara ao sol de julho.
Fomos aqueles desconhecidos que se conheceram
num sábado de aleluia
pagãos órfãos de pai
a nova contra-cultura do país
os comunas anti-horários
os novos olhares pseudo-aristocráticos
éramos sós naquela manhã
uma pulga de ouro na avalanche da vida.
Fomos aqueles que desmudaram o destino
o mesmo que nos uniu e nos separou
pelas forças estranhas da paixão coletiva
da rudimentar forma de se pedir, num adeus que seja
e levantar as mãos orando pela compaixão de cristo
nas suas lavandas brancas e seus riachos de lágrimas e sangue.
Onde por horas estivemos?
Quando a bastilha caíu, quando berlim se separou
quando as torres gêmeas desfiguraram um dia inteiro
Onde por horas estivemos?
Quando o cão suicida do vizinho
mordeu o baço do velho
e caídos, ambos, gritaram de uma forma cômica
e tiveram as línguas adormecidas pela ambulância.
Onde por horas estivemos?
Quando harley cruzara o zênite, 67 anos depois
quando as janelas finitas dos subúrbios
de um ponto ao outro fez estrados azuis dobrarem-se
e deixaram os olhos maculados pela vida inteira.
Onde foi que nos deixamos?
naquele relógio amaldiçoado?
sempre 35 minutos para às uma de algum tempo
enfeitiçado, congênito, dentro de todas as formas da casa
descrevendo a nossa doce e amarga despedida.
Onde foi que nos deixamos?
naqueles beijos intermináveis
no final do banco dos coletivos irrisórios
cheios de estrelas nos cabelos
e canelas de areia e mar de ipanemas noturnas?
Onde foi que nos perdemos?
a avenida brasil está parada agora
e nos aguarda àquela tarde
quando o sol castigáva-nos
e entorpecia-nos de amor eterno
como se a eternidade fosse séria
ou qualquer tábua de nietzsche no jornal alemão
Onde foi que nos deixamos?
lembra?
quais fotografias foram reais?
quais as imagens mais cruéis agora?
onde fomos deixar as alegrias
que nos permeavam de dias sem indultos
de horas sem pêndulos de flores em nossas capelas
Quais refeições? Quais talheres destrincharam
o que as bocas adorariam dizer
e engoliram apenas
ou mastigaram todo o infinito rude dos nossos mudos olhos
quais copos de vinho nos cederam a verdade
pra quando deitamos lesos de algum pedido
e deixamos o corpo responder aos instintos
ou tão somente dormir, aquecido um pelo outro.
Quantos dias?
Quantas horas contadas?
Nada, diria...
nada mais do que a máquina fria da vida
nada mais do que a voz indizível do tempo
Fomos e seremos ainda, muitos outros
e nunca deixaremos de ser o que somos
e o que fomos será sempre o que deixamos de ser
quando o que somos será sempre um passo atrás
do que desejaríamos
e esta réstia de seres está à perambular em nossos espaços
e deixar pegadas fundas nas praias espirituais
e nada, diria novamente
nada poderia ser tão mágico e simples.
27.4.07
A ausência
Caros, dessa vez não vim poetar, mas tão somente delinear apropriadamente um conceito.
A ausência
Não é a simplicidade da falta
Que faz uma coisa que se procura e
Não mais
Se encontra.
Ou mesmo
O resíduo do que se perdeu
Definitivamente.
A ausência
É uma tristeza calada
Posto que é o fim da ligação
Entre
Algo que se tem por dentro
E aquilo que dantes se encontrava próximo
Por fora.
_______________________
vinicius perenha - abril de 2007
26.4.07
As mulheres e o tempo
de uma reflexão absurdamente desnorteante, releio "as mulheres e o tempo".
aos mais desavisados recomendo coletes salva-vidas...
* * *
I
Jamais é um tempo que não acaba nunca
Que nem por alto, dá pra se fazer idéia
Jamais
Transcende. Porque nunca também começou
Ironicamente ainda pode ser falado
Mas só quando supõe o sempre
E sempre que assim for
É adequado.
Jamais?
Adequado?
Estranho
II
Vai que ela diz:
jamais falo contigo de novo
Vai
Que ela diz: te amo
Pra sempre
Vai, que ela chora
E sempre que chora
Diz que nunca vai te perdoar
Ou que ela some
Vai morar num bueiro, sei lá
E nunca mais volta
Vai que ela tem razão
Tá bom, tá bom...
Isso nunca
Mas vai que ela pensa que tem
Sempre?
E nunca mais deita do teu lado
Segura tuas mãos
Mexe nos cabelos
Etc., etc., etc
III
Adequado é que não pode ser
Uma coisa dessas
Só uma, vai que mata
Imagina todas elas juntas?
Elas deviam pensar mais em nós
Ser mais frágeis, eu acho
Não sempre,
Mas às vezes seria muito melhor
(Vinícius Perenha, do livro "Poesia pra toda obra")
22.4.07
O sol encobre toda a superfície do meu corpo
já publicada no tomo VI do "acontecente"
* * *
O sol encobre toda a superfície do meu corpo.
O bom e só sol.
Sou Caeiro estendido,
Não penso nem tento
Mas logo me ocorre que
Alguma fração de uma história de bilhões de anos de existência
Do Astro-Rei
Me adentra, fazendo parte de mim indelevelmente.
Tenho agora algo do sol.
Absorver vitamina E e processá-la
É como que o reconhecimento orgânico desse fato.
20.4.07
O louco na praça
me caiu esta bomba na mão, um dos melhores poemas do Fábio Alves, repleto de estímulo aos sentidos - principalmente ao sentido do atordoamento. um dos melhores e mais fortes poemas já postados no presença, em minha opinião e gosto.
alou presença, rumo ao milésimo post !
* * *
Sob o sol do meio-dia
Reflete as cores brancas
Calorosas e frias
A praça de bancos
Repleta
De pessoas
Vazia
Sob a torrente de luminosidade
De soslaio olhando
Atordoados se dedicam
À rotina de contratempos
Repleta
De amenidades
Vazia
Sob a barba e terno negros
Maltrapilho e suado
Prega a palavra desesperada
De significados
Repleta
E de lógica
Vazia
Sob as asas da doutrina
Os transeuntes nem mesuram
O valor do qual desatina
Que mostra ser
Repleta
Nossa vida
Vazia.
(Fábio Alves, aos 17 de julho de 2007)
18.4.07
O timoneiro
O timoneiro recebeu as visitas
Na sala de estar
E virou o messias
Do barco da vida das pessoas,
O barco que elas são
(O barco que elas somos…)
O timoneiro diz às pessoas
Que somos exatamente tão importantes
Quanto somos mera matéria sendo,
Tanto chance
Quanto bênção
E… elas podem entender isso?
(Isaac Frederico, em abril de 2007)
16.4.07
Ostras
posto mais uma excelente poesia do Guto Leite, lembrando que o blog-tosco-spot não me permite manter a diagramação original proposta pelo poeta.
a analogia do poema é intensa e bonita, e sua reflexão é firme.
um abraço a todos !
* * *
a Hume
nunca vi de perto uma ostra
nem pretendo
sei de sua natureza imersa
e fria
como as jóias
imagino-as pedras vivas do oceano
escuro
que começa nos abismos
quanto valem
sempre está turvo
azul
além das imensidades
as almas dos artistas
são ostras degeneradas
de presença
nunca poderão ser tocadas
ou salvas
pela pérola
(Guto Leite, 2007)
13.4.07
Apatia
posto um pequeno conto de um grande amigo, o Fabio Alves.
há anos filosofando sobre os atalhos, desde tempos imemoriais em cabo frio, a produção literária do Fabio não tem sido muito impulsionada por ele próprio, então nada melhor que a boa diversidade, colocar em jogo o máximo possível de pensamentos e malabares de palavras.
* * *
Quando cheguei em casa havia três horas após o meio dia. Coloquei a cadeira de praia no armarinho debaixo da escada. Subi para o andar de cima com os pés sujos de areia da praia.
Não quis comer nada. Avisei à empregada que estaria no quarto, para o caso de um telefonema ou eventual visita. Tranquei a porta.
O meu quarto ficava na cobertura de um apartamento duplex defronte à praia de Ipanema, de onde tinha vista plena do Arpoador até o mirante do Leblon, do movimento das “dondocas” rebolando seus belos corpos no calçadão e dos surfistas deslizando nas ondas doiradas pelo sol cor de abóbora em seu crepúsculo vespertino. O dinheiro e as coisas belas nunca foram escassas na minha vida.
Tomei um banho quente – que ardia-me as costas bronzeada pelo sol- e saí do banheiro ainda me enxugando. Coloquei uma bermuda confortável e deitei-me na cama: A apatia.
Só o som do Rádio, o vento gelado que saía do ar-condicionado e o calor da brasa do meu cigarro repousado no cinzeiro, faziam que alguma coisa material se movesse. No mais, era tudo parado e os pensamentos confusos. Não foi a partir daquele dia que tudo começou, mas dali descobri o que me reservara a vida e o que ela havia me dado até presente o momento.
Era justamente, e apenas, tudo aquilo que ali estava: um sol, belas garotas, dinheiro e alguns poucos amigos – que não sabia sê-los verdadeiros. E isto é tudo que realmente pode-se esperar. Então, compreendi a dor que às vezes me remetia ao maxilar, os dentes rangendo e a vertigem nas noites mal dormidas de todos os dias: A aflição.
“Viverei eu assim?”, pensei.”Será que é só isso mesmo? Tem que haver algo! Tem que haver!”. Mas as coisas não aconteciam, e dia após dia a rotina se instalava em mim. A dor no maxilar aumentara, além do surgimento de calafrios – outro sinal de que as coisas não iam nada bem. Não comia; a libido se reduziu a zero. Perdi a namorada e os poucos amigos que agora sei serem falsos. Um homem num parafuso que se atarraxa cada vez mais para dentro do buraco feito pela furadeira das idéias na parede da vida.
Passei a me escorar em garrafas de uísque. Assim, comecei a distanciar-me da realidade. Era o que eu precisava! Tornei-me ébrio permanente. Mas não deixara de morder os dentes. E o álcool se tornou, para mim, como o sol e as ondas douradas do mar, como o mirante, o mendigo e o caviar. Como tudo era: colorido e sem graça.
Fui internado pelos meus tios numa clínica. Achavam-me louco e viciado em álcool. Não me opus. Não me importava.
Foi lá que comecei a tomar remédios de tarja preta. Minha dor no maxilar cessara e os pensamentos começaram a se alinhar. Tive alta da clínica.
Com o passar do tempo, descobri que toda apatia é fruto de uma certa dose tragada de revolta, mas uma revolta tranqüila – mansa. E minha vida seguiu como era antes, com exceção das pílulas que tomava pela manhã e à noite antes de dormir. Apático e revoltado com alguma coisa que eu não sabia o que era, quiçá nunca saberei.
(Fabio Alves, 2007)
8.4.07
Cânion
* * *
O berro
Da probabilidade não eleita
Sempre ecoará
No cânion do que é,
Do que foi escolhido.
Amar é tanto
A única redenção possível
Quanto o trauma inicial do Ser.
Ou
Amar é um berro
Num cânion sem eco e
É a eleição serena
Da possibilidade redentora,
O alívio único
Do trauma inicial de Ser.
(latitude Aracaju-SE, aos 7 de Abril de 2007, a bordo do PLSV Pertinacia)
6.4.07
Paquera na chuva
seus sonetos sempre simples e incisivos giram muitas vezes em torno de um sentimento agradável de paquera, leveza e serena positividade, com luz, temáticas claras e ambientes alvos.
* * *
pingos insolentes,
roubando carícias,
em pontos quentes
de curvas e malícias
como frios beijos
que provocam arrepios
e loucos desejos
em corpos macios.
e encolhendo panos
nos belos contornos
que atiçam a mente;
deste alguém que olhava
com inveja da chuva
que caiu de repente.
(Marcelo Pontes, MG)
5.4.07
Informação
* * *
Durmo.
E continuo acontecendo,
Fora do escopo
Da analitiquice incessante
Que nos tornamos.
Interiorizo
Os alimentos,
Tão dentro
Que chegam ao núcleo celular,
Em forma de informação:
Continuar,
Acontecer
A todo custo.
Acontecer é agradecer;
Estamos juntos,
Da mitocôndria
Á Via Láctea.
3.4.07
Presidente
Sou o presidente
De mim,
O residente
De mim.
Alugo minhas fibras
Do Tudo,
Com grande amor;
Aconteço sorridente,
Alegria e dor –
Sou meu presidente.
(Delft, Holanda, em março de 2007)