28.2.08

"Minha festa"

Há uma festa - já me devora,
vem na brancura dos que há muito não sinto
é toda dela a dor que me aflora
e a canção sem tom que só, danço em labirinto.

Da vesga fome me acelera
em andar pálido desalinho
ruindo em gracejos de marujo magricela
ao ar vou devolvendo bruto o carinho.

Sou dela o vão dos que mortos cospem
o dourado feno de um sol que nasce
deles, túmulos, por mais que mostre
mil vielas medrosas queimam na face.

Das palavras às palavras - minto
essa festa é o sangue todo deitando
vãos teus cães me adornam afoitos
como estrelas num céu de orelha e brinco.

A morte nos iguala - e sabes
que teu amor, rogado assim só,
não é regaço
precisa dos outros
e de muitos outros tantos
pra tornar o mover-se em amor,
desses que movem
e batem no peito, pra ser amor daqueles,
sem prantos.

(25 de fevereiro, 2008)

20.2.08

A matéria da noite é roseiral desprovendo cheio da noite e da rosa lilás que a oração mapeia
os olhos cegos deitam-se irmãos, mas são cavalos magros de caras vesgas
a matéria da noite não se topa, nem se golpeia
reluz como reluz o escuro dela dentro dela, pra outros escuros
como adentra o tempo sobre ele e pra dentro dele, cheio de incertezas e ponteiros pingando
comendo noite, sorvete, travesseiros...
a matéria da noite ao relento serve escada ao céu que gira
é o fantasma da mulher que foge e pira, aos berros ateia fogo nos cabelos
a matéria da noite vem do leite que bebem cedo no café, cheio dela com o cheiro deles
a feira que explode às quartas naquela rua pequena-subida
pira que acende as estrelas, a matéria insalubre
a matéria em desvãos dela que é a sina de ser densa-escura
não há medidas entre a luz e os homens, as cidades escondem-se nela
a matéria da noite é hipocondríaca, maníaca que repete nomes
é a irmã do filho que foi pra são paulo roubar crianças, os rins que florem
e na absurda e completa vez, a vez dela é de ser matéria e descer sobre tudo
travestindo em noite os segredos mais surdos
a muda ossada que envenena em fumaça dos canos que largam em nome de cristo
espinhos de matéria da noite, a testa que deflagra o culto
dançam irreais, carnavais de vampiros - comendo corrimãos sem luz descendo do décimo sétimo
amanhecendo na calçada, sem nenhum cometa de saliva
comentando sozinho no ouvido da manhã os silêncios que os olhos amaram
na matéria da noite trituram-me, dela aventuro qualquer volúpia
nenhuma réstia na boca do ácido da noite violenta que espera, a matéria
da noite é sedenta dela, a sede mais cã-dela sem peias
na veia sufoca um delírio que ela chupa, paixão ardendo em becos
ela resoluta, matéria da noite, da noite que não tem matéria, por não ser nada
fenômeno dos astros, hollywood de mentira, mas que morreram jovens
com suas cabeças de índios nos espelhos da rua 42, ondas de suor santo
e a matéria da noite encavalada, regurgitando fálica do jazz morto em setenta e três
e morrendo nos seios jovens entre os cassetes feéricos que provém os guardas
qualquer arregalada de olhos pode ser eterna, fuligem, eterna, matéria
a noite não se presenteia, não vaga comigo, me beija cheia de ódio, defendendo sua boca
rasteja no caesar park da avenida mil e três de acesos olhos de guria pedindo um troco
devotos de qualquer santo, a puta na parede fazendo cara de matéria da noite
o preto vendendo branco, o branco pagando o preto, o preto ascendendo
rádio patrulha da noite de matéria ipanema, de matéria copa, travesti e cinta-liga de ferro
matéria de noite no dente que cospe o dinheiro cheiro de cerveja e pólen
de aurora quente adormecendo na areia da praia da matéria da noite sacolejando
as redomas de estrelas da matéria da noite frias, desejando nunca o eterno pra sempre
que dançam nos filmes americanos quando tudo dá certo, beijando com os ombros
metralhando fotos cheias de pedaços de carne, com os cérebros ocos de carro e fama
a fama que ditam os celeiros de molestadas mentes, matéria de noite em jornais
anais da coisa negra que fazem nascer, brotando flores de forca e jardim de guimbas
matéria da noite em casas novas, interioranas, cheias de vida, cheias de tantas coisas cheias
matéria da noite nos comendo, varando especulações irradiando especulações nas bolsas do mundo
matéria da noite morta, na porta do empório suicida, rostos pacientados, ornados de merda
matéria da noite morta, nas costas da faca que fere, do ódio que lacera a alma, brotando amor
matéria tonta da noite temerosa, fuligem do sono, olhos que engendram manhãs coloridas
matéria tonta de noite, tonta de tudo, de tudo que perde
cenas dos últimos capítulos - a reprise inédita, matéria da noite escolhendo cartas
fazendo compras pro sexo dos ex-amantes que se casam pro eterno sempre de quase nunca
cenas dos últimos capítulos - o enterro das amigas mais chiques, os cisnes mudam de cor
nos cabelos o avental do passado, o drama que a trama fez cobrir de anseios meros
matéria da noite que escrevo entre solavancos no peito e tiros nos dedos
matéria da noite que se perde dentro dela, noite de todos nós, orando por Deus
Déis, réis, reais, real, cumprindo a solúvel matéria de que se deve cumprir, matéria
insolúvel pensar que devota o coração nos peitos dos desertos umbrais da igreja
matérias da noite que fogem, chorando pra sala de televisores acesos, chamando moscas
hitler sorrindo devora um livro em segundos, matéria da noite nos lábios, no bigode foice e estrela
matéria da noite cadavérica, criança leprosa chorando de rir na escola dos afazeres mórbidos
o fantasma me observa redigir a matéria da noite, o cão chora por dentro
não choro mais, ninguém mais
chora a matéria da noite em berços de ninar gasolina e óleo de cozinha queimado
chora a matéria da noite nela, que me deixou vencer o medo de sofrer e me deu uma coroa de ossos
chora a matéria da noite cantando sinatra pro demônio dormir, acendendo o mundo pelas pernas
chora de ser a matéria da noite, e chora quando me ouvi metralhar no plástico, serviçal
binário coração monetário e vácuo de desejos que se esvaem por dentro dos bits compassados
matéria da noite invadindo as redes, as paredes dos escritórios cheios de negras escórias
matéria da noite invadindo as carteiras dos patrícios, enfeites, juízos, renatas, magricelas contando deveres
matéria da noite convulsa enraizando tatuagens como o vulto que minha mãe mostra ao cruzar o quarto acelerando o medo
o escuro na matéria da noite chorando de luz que acende e apaga a lanterna girando no centro da sala, ouija-board pros kardecistas que morrem cada vez mais cedo
a lanterna que acende seu rosto dentro da matéria
da noite dentro de mim riscando um peso que não leva pra escola pra defender-se dos marginais no caminho
matéria da noite densa que de tão densa flutua o mar morto e os cavalos sem caras em sonhos que conspiram
nas fazendas nucleares que criaram galinhas sem cabeças, sem ovos, sem misérias de dedos cozidos em marmitas
nas fazendas nucleares que já estão nascendo da matéria da noite evocando águas e corujas em fios elétricos
fazendas nucleares que brotam ovelhas e jesuses cheios de formas cilíndricas
matérias, matérias da noite, matérias que chovem matérias em fazendas
que cospem bits, que cospem bytes, que aceleram o crescimento dos tomates nas cercas
os cervos que engordam involuntários que morrem involuntários dentro da matéria da noite tácita
cheia de outros sabores menores, cheias de outros maiores
matéria da noite caveira, matéria da noite oxítona, atônita, alérgica
matéria da noite morta que chora por seus mortos como chora por seus mortos que choram por ela
matéria da noite cheirando gases
flutuando entre o que fora e o que pudera ter sido, matéria da noite cozinhando
despelando ratos pra jantar na praça, junto dos corpos da cólera das fazendas nucleares
junto dos ratos subindo nos pratos das fazendas nucleares cheias de cobras comandando tratores, jatos infantis
matéria da noite que jorra matéria da noite que jorra olhos de lagartos sem rabo sem bichos pra comer
matéria da noite entre vozes sem ouvidos, sem orelhas que comeram as cobras das fazendas
o fantasma sorrindo em solilóquios terromicidas, nova iorque de um dia ameno às quatorze da tarde
os boings que fumaram o céu antes das quedas nas matérias das noites evocando
o silêncio das marcas nos trigais extraterrestres centopéias comendo feno e brincando de velhos aposentados fazendo armas pra matar homossexuais
jogos de armar em duques aquedutos, vias terrenas de vidas na matéria da noite matéria da morte da noite
matéria da noite da morteda vida da matéria da noite que não tem matéria

estamos todos por dentro, dentro...

13.2.08

Saudando Ginsberg

Agora somos nuvem sem céu,
deslocados.

Quem são os expoentes do nosso tempo?
Qual é o nosso tempo?

Atravessamos as horas de braços dados,
desviando os olhos,
ensaiando as próximas palavras.

Aqui nesta esquina sem ponteiros,
eu passo e tu permaneces.

Outubro de 2003

10.2.08

Mortalha

Veias abertas, esta manhã
pois que uma transfusão de sangue, apenas,
é o suficiente
para o seu caso.
Alimentar tuas todas células
com outro manjar


dormir a sesta
ao som diletante e heróico
dos ponteiros,
um ferruginoso entardecer
Basta,
para você.


Veias abertas
e caixa aberta
que uma nova alma vem tentar
No lugar da sua;
as minhas veias são os caminhos
para dentro de mim.
É uma sensação frugal,
ao som de um pince-nez quebrando
Abre-se-te a caixa torácica
Ao mesmo som diletante do meio-dia


E sentes como se estivesses pondo
Teu verbo para dormir.


(Aos 10 de janeiro de 2008, poema inédito a ser lançado em breve no livreto "Iuri Gagarin e outros poréns, Edições Presença)