19.2.09

à mão [fragmento]

à mão
...mar
..cado
..a car
....vão
.
o sol acendeu
ele próprio
seu primeiro fósforo
e se ateou no breu
.
e o céu pincelou
ele mesmo
o azul calcinha
com que coloriu o peito
.
à mão
cunho próprio
cria da própria criação
.
o sol
o céu
o mar
..cado
..a car
...vão

17.2.09

Fragmentos do imaginário



No último fim de semana lançamos mais um livro, o Fragmentos do imaginário meu segundo pelo selo/blog Presença, o primeiro foi o Elementar, um livreto coletivo com o Isaac e o Vinicius lançado em 2007. A tiragem do fragmentos foi bastante reduzida visto que todo o livro foi produzido por nós mesmos num esquema artesanal. Para aqueles que desejarem lê-lo é só me passar o e-mail que eu envio o arquivo.

Abaixo transcrevo uma apresentação escrita pelo Vinicius e um dos poemas do livro.
Abraços.
.....................................

É preciso se ter cuidado com os livros. Especialmente com os de capa preta. Sossegar um pouco antes de abri-los.
Mas é melhor não analisar, pensou uma vez Fernando Sabino. Analisar é procurar problemas. Concordo, em parte. E essa é a parte que se dá com Fragmentos do Imaginário, faz amizade. É essa parte que sintetiza; feito um fígado que protege a alma da lâmina intelectual.
E ele avisa – logo –, nos versos de Erri de Luca, que é muitos. Humanidade assim, só se encontra nos livros e nos seres humanos È a característica do louco; aquele que perdeu tudo, menos a razão. E o aviso é até simpático. Cria a ocasião de se servir o prato cru. É o recomeço do motim.
E depois é ver o mato se abrir a facadas. Nada de ismos. Só o poeta e seus botões, sem recuo nas horas de salto.
................................... ................... Vinicius Perenha

Modelato em segundo plano

Dos dedos e do barro
surge uma cabeça.

Rechaço de assopro

O ar é grosso

a crina
o crivo
e o escorço.

O par de peitos conversa ranhura.

Coxas de alimentar rebentos
..............volume certo para o repouso.

Cordão trançado.

O desejo se faz do tamanho da fome.

Do tornozelo
até subir ao fosso.

Lírica
canta um anseio de vôo

que a leve
calmamente
.............para o cais de um outro porto.

9.2.09

"Romeu e Julieta"


Devoro ambos
num só espaço
cheio de estacas encobertas.
Confio-lhes meus ácidos.

Devoro-os nus, um sobre o outro.
Mastigo ambos - tenho afiadas facas de osso.
E a lua paira em meu esgoto,
desce a laringe - o amor perdeu seus óculos.
Atinjo em cheio o bolo do estômago.
Cegos se cobram delicadamente no baço,
o abraço
sem todo o pavor que aparentam.

Confiei-lhes a língua,
aquela que embalou meus golpes.
Confio-lhes então o soro da saliva, num pequeno mar revolto!

Engulo a lua desajeitada,
e os dois se afogam no esôfago.

Romeu branco, tal urubu raquítico e novo,
recolhe Julieta, beijada e despedaçada
em seus sanqüíneos trajes abjetos.

Ambos já estarão em meu reto! - sinto-os unidos novamente,
e nascerão para fora, já os exorto finalmente.

(num gole d´água desconfio ter apagado o sabor do gosto)

O amor é amargo diz meu rim direito,
diz que é doce o velho palato.

Mas Romeu e Julieta estão vivos!
E boiam no latrinal ninho intacto.

6.2.09

Fração de Segundo


Estava lá, nos óculos, no reflexo dos óculos de Mário Prata.
Entre as persianas da janela, escondendo a tarde clara de um bairro qualquer do Rio.
Enquanto isso, o câmera mudava o close, a sombra mexia o braço lentamente. Senti o prazer de suas mãos tocando o fundo do bolso esquerdo, um caramujo bolinando folhas no pequeno vaso sem plantas.
Estava na quina da tela agora, e escorregava para desaparecer. Quando
o rosto do cronista surgiu enquadrado à direita, já não era mais sua imagem negra no vidro iluminado, cercado por aros grossos - estava guardada tua existência. Fiquei com o pensamento na ponta dos dedos equilibrando, deixei aquele peso dobrar-me os braços. Avancei para o controle da tv, aumentei o volume, me senti um pouco mais sozinho.
A sombra esteve ali, alguns segundos antes daquela última pergunta. Milhões de pontos coloridos apagaram-na para sempre. Vou perseguir a reprise do programa de entrevistas. Talvez reavê-la - fração de segundo. Me apaixonei por uma sombra no relfexo dos óculos de Mário Prata. Não pela mulher, ou pelo sujeito escorado na janela, sem sexo aparente, mas pelo ardor que queimava àquela tarde em plenos 1997. Me pareceu preocupada, ou preocupado. Esperava por alguém, de relance, mirava a rua. Renegava a equipe de filmagem dentro da casa, Mário Prata, as câmeras, todo o burburinho que se deu, acendendo aquelas horas. E o autor, nem se atentara ao fantasma sob seus olhos, respondia algo sobre seu último texto. E o corpo permaneceu imóvel em meu registro imemorial dos últimos dias, delineado pela tarde branca que se consumiu por detrás da janela daquele apartamento, em plenos 1997, num bairro qualquer do Rio, dentro da minha sala, na tv, no reflexo dos óculos de Mário Prata.

1.2.09

Rarefeito

esqueci
tarde pra voltar àquela hora
não tinha sobras
a ponte, esquecida,
lembrou-se de errar meus passos
perdi-me
tão convencido que o real avançaria
e o mundo recolheu-se em minhas mãos,
pequenas arando hemisférios
o sol varava nos dedos,
chegava aos olhos, o sumo da castanha de caju
meu varal de lábios sentia o amargo
a ponte, esquecida, varejava minha sombra
estudava leve: balões não sopram oceanos
fui levado, soprei a pele
não tinha sobras pra catar,
nada que refizesse o nome
lembrei-me,
desfiz teu rosto, coberto de alagoas
o mar desceu teus ombros,
esqueci novamente
voltar o passado é sediar milhas de nada
volto para arrancar meu posto, vigília de planta
lacustres, os olhos naufragam
enxergar?
lembrei
a visão estava morta sob a porta,
e um batalhão de formigas marchava sinuoso
um menino espreitava o silêncio morto do avô
a rua respirava cheia, era o bloco secando os copos
as palavras, esqueci
fui rarefeito
numa caneca com sabão e água
flutuando segui, preso à goiabeira,
vôo translúcido, o vento me liberta
deixo o ar me segurar, a simetria circular dum fantasma menino
agora o estouro esperado e
ploc!
a ponte deseja meu peso, e eu passo
passo por passo tuas vertebras,
costela arqueada, logo toco o lado de lá
revejo as sobras, encontro meus filhos,
minha vida!
meu jardim está repleto de lembranças
começo o caminho pelo fim.