22.7.09


Imagem: Ben Vautier


"Piras"

Voando em becos
nossa velha alquimia
Soldados de elástico
apaixonados pelo crime
e de soldo a dúvida
sem ela nada.

Arrasto-te pra fora
levo tuas pirações
se um dia mortos
flores então!
e o sol no teu corpo
como velhas pixações.

Te arrasto pro esgoto
pouco esgoto-te.
Acaricio teu câncer
e a vida goza nessas dores.

Sombra da tua colher de chá pequena
medida mais curta
- meu muro de pular desejos
No fundo de caixas onde
a cicuta dorme
e o amor não é mais
que um breve beijo.

Voamos,
pequenos urubus
de volta ao ninho.

19.7.09

Da janela


.............................................................................Gravura de Goeldi.

Nesta manhã de novembro,
o céu desaba em cascatas.
Na Praia da Bica os peixes fogem das redes.
Em Viena um casal de namorados
passeia por uma praça bombardeada a décadas atrás.
E eu me pergunto:
pra onde vai a água daquela poça?

Para as raízes do capim,
pros restos de algum cão enterrado?

Quantas chuvas!
Quantos sóis!
Quantos detalhes.

Imersos em problemas,
não nos sobra tempo

pras nuvens,

pros dias,

pra vida.

Novembro de 2002, publicado no libreto Entretanto.

16.7.09

trabalho

mas que tanto procuro
que coisa
que quem me espera
afoito na busca, correndo há tanto
espero e não espero mais porto.

haverá anistia
ou redenção pro amor
caminho de volta.
não haverá?

estrada pra paz, equilíbrio
pro desespero.
digestão pressa pressa.
não haverá.
se possível, continuar.

se possível, não curvarei.
se possível, ensinar o pouco que entendo.
e entendo que não posso parar.
apesar do fôlego.
apesar do corpo.
apesar do cansaço.

me vou apesar disso tudo.
serei preciso ainda um pouco.
um alvo por vez,
e calma.

Juro que tento, ser aos poucos.
E tudo o que posso e não posso,
correr.

8.7.09

"Acode o literário"

Gosto de dicionários
mas não vejo tão arbitrários
alguns que sem critério
como que se em doces deletérios
cuspissem os muros velhos
mistérios de simples explicação.

É que de ódio, comem sílabas,
ou coisas que a língua enrola, e
que o conhecer demais assola
pois importante mesmo É O QUE SE QUER DIZER;

tanto que se lê e se entende
e não se "surprneende"
quando enxerga-se o que não viu.

Ortográfico erro dos burro-cratas
que querem o acerto e não o triz
Tem mais, o cérebro é pacto feito nas tetas
e se assina sem trabalho, quase sempre o que nem quis.

Assim prefiro os sem-critério
pois dizem, mesmo que parcos, o que não lhes contentaram.

ainda mais nesses sítios clandestinos,
onde patrões comem-nos os fígados
e nos resta pra servir de armas o ensino púbico e o estadão,
arrendando a poucos súditos
o direito quase súplico de ingressarem ao escolão!

Faculdade - nada-sabe (hoje)
baixar-cabeça, seguir reto, o choque no muro é certo!
Mas dizem que para espertos
e lhe garantem um bom futuro.

Não passa de um barco sem rumo, nesse oceano escuro do que desenha a erudição
se não houver alguma guerra, melhor saber quem desterra
e mirar nele devoção.

Mais que procuro o incerto
já que na vida é só de tiro
liberdade não se faz fora,
mas por dentro e sem partido.

Então vamos camaradas arnarquistas, tomar o poder corrompido,
pra deixar sem governo o que nos toma
e nunca deveria ter sido.

Voltemos ao acorde:
- Acordo ortográfico e durmo otorrino - e "eu tô rino".

Quem contenta sentimento em palavras é padre, juiz, tabelião...
Somos réus, ratos - palatos no breu dessa alma, e ainda que nada nos fale o poema lido em vão
prefiro o vento na cara
pois é só o que exprimimos: a bílis e o esterco da razão.
Sentir é coisa mais séria!
Escrever como se pode ver,
é pura convenção!